Faleceu na semana passada o escritor Rubem Alves. Dentre muitas crônicas marcantes escrita por Rubem Alves está “Tênis x Frescobol”, onde faz uma bela reflexão sobre como deve ser o casamento.
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Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os casamentos (relacionamentos) são de dois tipos: há os casamentos do tipo Tênis e há os casamentos do tipo Frescobol.
Os casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam mal. Os casamentos do tipo Frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa. Explico-me.
Para começar, uma afirmação de Nietzche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele:
“Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta:
“Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice?”
Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas
construídas sobre a arte de conversar.
Sherezade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre
decapitados pela manhã, e terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam
rapidamente, terminam na morte, como no filme O Império dos Sentidos. Por isso,
quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele,
Sherazade o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa sem fim,
que deveria durar mil e uma noites. O sultão se calava e escutava as suas palavras
como se fossem música. A música dos sons ou da palavra – é a sexualidade sob a forma
da eternidade: é o amor que ressuscita sempre, depois de morrer. Há os carinhos
que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras.
E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes. Fazer carinho com as palavras
não é ficar repetindo o tempo todo: “Eu te amo”. Barthes advertia: “Passada a primeira
confissão, eu te amo não quer dizer mais nada”. É na conversa que o nosso verdadeiro
corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo
a sabedoria de Adélia Prado: “Erótica é a alma”.
Tênis é um jogo feroz. O objetivo é derrotar o adversário.
E a sua derrota se revela no seu erro: O outro foi incapaz de devolver a bola.
Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção
do ponto fraco do seu adversário, é justamente para aí que ele vai dirigir sua cortada.
Palavra muito sugestiva – que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar,
interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, no momento
em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo.
Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.
Frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola.
Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio
meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo
para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe
adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou
ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra. O erro de um, no frescobol,
é um acidente lamentável que não deveria ter acontecido.
E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado.
Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que
ninguém marca pontos…
A bola: são nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras.
Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho pra cá….
Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis.
Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho
do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão.. O que se busca é
ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde.
Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado,
pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração.
O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do
outro voem livres ao vento. Bola vai, bola vem – cresce o amor…
Ninguém ganha, para que os dois ganhem.
E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para
que o jogo nunca tenha fim…
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Por: Rubem Alves